A degradação das pastagens no Cerrado avança e acende um alerta crescente nas discussões ambientais.

Pastagens em colapso? Uma análise da degradação e seus efeitos no setor agropecuário de Goiás

Estudos de pesquisadores da área apontam crescente preocupação com o ritmo acelerado de degradação das pastagens no Cerrado

 

Kamilly Vitória, João Pedro Bolzam, Geovana Gonçalves e Alexandre Elias

De acordo com um estudo realizado pela Embrapa e publicado em 2024 pela revista internacional Land, há cerca de 28 milhões de hectares residenciais em pastagens plantados no Brasil, com levantamento por meio de níveis intermediários e severos, com potencial para implantação de culturas agrícolas.

Da mesma forma, é perceptível a ocorrência dessa degradação no estado de Goiás, por meio de um estudo realizado pelo Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento (Lapig), o qual realizou a criação do artigo “Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no Estado de Goiás”. Devido ao estado ser composto pelo Cerrado (cerca de 71% por bioma) e ter a grande dependência da pecuária a pasto, que contribui fortemente para a produção da carne bovina, o estado em si promove uma escassez no manejo adequado e uma baixa fertilidade no solo, o que tem agravado a degradação de pastagens e promovido riscos ecológicos e econômicos.

Como dito pelo Engenheiro Agrônomo e professor na área de Zootecnia pela UFG, Wilton Ladeira, ele ressalta que, além dos impactos altos por meio do alto investimento do governo para fomentar a recuperação de áreas degradadas com altos custos para os pecuaristas se manterem na atividade também há uma alta degradação vinda dos impactos ambientais, já que as degradações podem favorecer diversas condições: “solos compactados, processos de erosão, redução de área útil para pastejo e ainda podem proporcionar aumentos nas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.”

Para a melhor realização de análise de degradação do solo, o professor e coordenador do Programa de Pesquisa em Pastagem do Lapig e autor do artigo, Laerte Guimarães, revela que a prática da atividade foi composta pelo apoio do CNPq e do MapBiomas e, dessa maneira, há estimativas de que em torno de 50% das nossas áreas de pastagens apresentam algum tipo ou nível de degradação. E, para a recuperação dessas pastagens, o método é estratégico para o país, ainda mais para a coleta de dados de campo para a produção do trabalho:
“Tivemos que viabilizar recursos para, durante cerca de dois meses, manter equipes em campo, coletando dados em aproximadamente 400 pontos amostrais.” ressalta o professor.

O Coração do Problema: A Rápida Perda de Pastagem e a Mudança na Qualidade

A análise dos dados do MapBiomas ainda revela que o problema das pastagens em Goiás é duplo, pois há uma perda acelerada de área total e uma recomposição da qualidade que merece atenção. Entre 2000 e 2023, Goiás perdeu 2,15 milhões de hectares de pastagem, com a área total diminuindo em 14,43% de perda total.

Fonte: MapBiomas| Dados Tratados por João Pedro Bolzam| Manus

Legenda: Evolução anual da área de pastagens em Goiás entre 2000 e 2023, segundo dados do MapBiomas. O gráfico evidencia uma tendência contínua de redução das áreas destinadas à pecuária no estado ao longo das últimas duas décadas. Fonte: MapBiomas| Dados Tratados por João Pedro Bolzam

A maior fatia é o Vigor Médio (43%). É a sua maior oportunidade de investimento. Um manejo simples pode transformar essa área em Vigor Alto, resultando no maior ganho de produtividade com o menor custo. A menor fatia é o Vigor Baixo (19%). Essa área é improdutiva e exige o maior investimento (reforma) e representa o maior risco de degradação ambiental.

Made with Flourish
A análise da condição de vigor da pastagem em Goiás, conforme a visualização, revela um cenário de desequilíbrio que impacta diretamente a produtividade e a sustentabilidade da pecuária no estado. A maior parte da área de pastagem se concentra nas categorias de Vigor Médio e Vigor Alto, indicando que uma parcela significativa ainda apresenta boa capacidade produtiva. No entanto, a presença notável de pastagens em Vigor Baixo acende um alerta. Essa condição de baixo vigor está intrinsecamente ligada aos estágios de degradação, onde a capacidade de suporte da pastagem é reduzida, exigindo intervenções de manejo mais intensas e custosas. A manutenção de um grande volume de pastagens em vigor médio e a existência de áreas em vigor baixo demonstram a urgência de políticas e práticas de manejo que visem a recuperação e a conversão para o vigor alto, garantindo a resiliência do sistema produtivo goiano.

Ainda mais surpreendente reside na categoria de pastagem mais crítica: a área classificada como "Vigor Baixo" – o indicador direto de degradação – diminuiu em 38.44% no mesmo período, caindo de 5.544.133,76 hectáreas para 3.413.187,37 hectares.

Essa redução na área degradada, em um contexto de perda total de pastagem, sugere um cenário complexo:

  • Conversão de Uso: A pastagem degradada pode estar sendo convertida para outras culturas, como soja ou cana-de-açúcar, o que explica a diminuição da área total de pastagem no estado.
  • Recuperação: Uma parte da pastagem em Vigor Baixo pode ter sido recuperada, migrando para as categorias de Vigor Médio ou Alto, indicando um esforço de manejo mais eficiente.

Segundo o artigo de pesquisa publicado pela LDD Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no estado de Goiás (2025).

 O estado de Goiás depende fortemente da produção pecuária baseada em pastagens, contribuindo de forma significativa para a produção nacional de carne bovina (IBGE 2024; CEPEA 2024). No entanto, o manejo inadequado e a baixa fertilidade do solo têm intensificado a degradação das pastagens, gerando riscos ecológicos e econômicos (Dias-Filho 2023). No Cerrado brasileiro, a demanda por áreas de pastagem continua crescente (Dias et al. 2016), o que reforça a necessidade de compreender e mitigar os processos de degradação para garantir a sustentabilidade produtiva a longo prazo (Bustamante et al. 2019).

Dados divulgados pelo IBGE sobre a produção agropecuária e o rebanho bovino entre 2020 e 2022 em Goiás mostram que a expansão do setor e o tamanho do rebanho vêm aumentando de forma contínua. No gráfico elaborado a partir da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), observa-se o número de cabeças de gado por município. Nova Crixás (GO) lidera o ranking, com aproximadamente 772.837 cabeças de gado, seguida por São Miguel do Araguaia, com 595.720, e Porangatu, com 470.450.

PPM: Tamanho do rebanho, Maior produtorCenso Agropecuário: Estabelecimentos

Na mesma pesquisa, foi publicada uma série histórica sobre o tamanho do rebanho bovino em Goiás. Os dados mostram que 2022 foi o ano com o maior número de cabeças de gado, totalizando 24.410.182. Já 2024 apresentou a menor quantidade registrada no período, com 23.216.460 cabeças no rebanho estadual.

Série histórica - Bovinos (Bois e Vacas) - Tamanho do rebanho

Estudiosos sobre o assunto de degradação alertam sobre esses dados lançados pelo IBGE. Em entrevista com a Pesquisadora Natália Teles, foi apresentado o dado “recente” levantado pelo IBGE, sobre que no Brasil existem 238,2 milhões de bovinos, contra 213,4 milhões de habitantes; aves, ovos, leite, mel e piscicultura também bateram recordes em 2024, mostrando que no nosso país há 12% mais gados do que pessoas. 

A partir desse dado, foi perguntado à entrevistada a seguinte questão: Com esses dados mostrados é possível discutir uma preocupação com a degradação vegetal não só de Goiás, mas do país como um todo? 

“A comparação do número de habitantes com tamanho do rebanho nos diz muito sobre a economia e o uso do solo no nosso país. Essa relação indica o peso do agronegócio na balança comercial e no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, que é um grande produtor e exportador de carne bovina. E um rebanho desse tamanho demanda grandes áreas de pastagem, configurando um modelo de pecuária predominantemente extensiva em grande parte do nosso país. Com esses dados podemos entender a magnitude da área de pastagem e a histórica correlação entre a expansão da pecuária e a supressão de vegetação nativa. Discutir degradação de pastagens, especialmente no bioma Cerrado, torna-se uma prioridade nacional, sendo necessárias políticas que promovam a intensificação sustentável da pecuária em pastagens já existentes, em vez da contínua expansão sobre novos biomas. A exemplo dessas políticas temos o Plano ABC em que uma das tecnologias desenvolvidas é para a Recuperação de Pastagens Degradadas; e mais recentemente foi lançado o Plano Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas.” diz a pesquisadora Natalia Teles.

O Plano Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas tem como objetivo recuperar e converter até 40 milhões de hectares de pastagens em áreas produtivas ao longo de um período de dez anos. O que contribuirá para a captura de carbono e maior mitigação das mudanças. Além disso, o programa ainda prevê a recuperação de terras degradadas e a conversão de produção agropecuária e florestais ambientais.

Eficiência de Pastejo 

Segundo os resultados da pesquisa: Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no estado de Goiás, Brasil, 39,35% (EP = 3,92%) da área de pastagem em Goiás foi classificada como não degradada, 31,98% (EP = 2,66%) como em processo de degradação e 28,67% (EP = 3,64%) como severamente degradada.

Nessa ocasião, é válido pensar sobre como isso pode ser alarmante e como pode ser mitigado. Ainda em entrevista com Natalia, perguntamos: Quando esses resultados podem se tornar alarmantes e em quanto tempo em decorrência da degradação pode chegar a isso?

“Quando falamos em degradação de pastagens é necessário entender as causas das mesmas. Olhando para esses números, temos que quase 60% das pastagens em Goiás apresentam algum nível de degradação e isso está relacionado principalmente ao manejo inadequado, falta de adubação, e à baixa transferência de tecnologia para o sistema pecuária. A situação já é alarmante, e a preocupação não é quando ela se tornará um problema, mas sim a velocidade com que a degradação em processo pode migrar para a degradação severa, e o impacto disso na produtividade brasileira e no desmatamento de novas áreas. A degradação ameaça a viabilidade econômica do principal setor produtivo do nosso estado (pecuária) e também a segurança hídrica e ambiental do bioma Cerrado. Determinar um tempo exato para a degradação é complexo porque depende de fatores como manejo, clima e tipo de solo. Mas vale lembrar que essa tendência não é irreversível. O esforço em Goiás e no Brasil Central em programas como o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) tem mostrado resultados positivos.“ Colabora a pesquisadora Natalia.

Estudo "Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no estado de Goiás, Brasil" (Dados de campo).

Fonte: Estudo "Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no estado de Goiás, Brasil" (Dados de campo).

A tendência de perda de área de pastagem observada no gráfico anterior (redução de 14,43% entre 2000 e 2023) e a alta taxa de degradação atual (60,65%) sugerem que, sem intervenção imediata e em larga escala, a proporção de pastagens severamente degradadas pode ultrapassar 50% em um futuro próximo, tornando a situação crítica para a economia agropecuária e para o meio ambiente do estado assim como descrito por Natália.

A Degradação voltada aos Biomas Goianos

Em abrangência, os gráficos com dados tratados a seguir demonstram uma maior evolução das áreas de pastagem envolvendo o estado de Goiás entre os anos 2000 e 2023, em destaque para dois biomas específicos, sendo o Cerrado e a Mata Atlântica, com relação ao total de pastagens do estado. Os dados envolvidos abrangem as séries históricas do nosso objeto adicional de pesquisa, o MapBiomas, com desenvolvimento pelo Lapig.

Em primeira lacuna, o Cerrado Goiano, bioma mais abrangente no estado de Goiás, demonstra uma trajetória contínua de quedas desde os anos 2000, com uma transição estrutural do uso da terra. Com isso, os valores entre 5.355.223,63 e 3.304.572,17, contendo uma diferença entre degradações de 162,08% durante meados de 23 anos se tornando um ponto com foco em utilização do solo para a realização de outras atividades, como a agricultura mecanizada, com Goiás sendo o 3° maior produtor do Brasil. A conversão de uso de pastagens de soja, milho e outras culturas vem se desenvolvendo desde os anos 2000 no estado e esteve em alta no país durante a década de 1950.

Condições de pastagens de Cerrado em Goiás (hectares/ano)

Alto Vigor
Médio Vigor
Baixo Vigor

Em visão de outro bioma analisado, a Mata Atlântica vem se intensificando em um comportamento semelhante em comparação com os anos analisados e com o bioma do Cerrado. No geral, as pastagens caem em situação constante, principalmente por volta dos anos de 2010, havendo um grande aumento de degradação, com valores de 149.322,28 e 20.978,64, sendo cerca de 711,78%, uma diferença exorbitante entre o período de aumento e diminuição ao longo do período à frente, sendo altamente pressionada pelo uso agropecuário, principalmente em decorrência do avanço da agroindústria do estado. Dá-se sugestão a um movimento de substituição de pasto por agropecuária em áreas privativas do bioma, mesmo com a necessidade de aplicar a lei da Mata Atlântica, que se refere ao desmatamento do bioma podendo ocorrer apenas em situações excepcionais de utilidade pública e interesse pessoal.

Condições da pastagem de Mata Atlântica em Goiás (hectares/ano)

Dessa maneira, em análise aos dois biomas, é perceptível o decaimento de pastagens no estado de Goiás desde os anos 2000, passando por cerca de 15 milhões de hectares no início da série para cerca de 13 milhões de hectares no ano de 2023. Essa diminuição reflete a chamada “Agricultura do Cerrado”. Em Goiás, especialmente, contendo áreas de pastagens extensivas, com algumas em degradação, sendo convertidas em lavouras por alta produtividade, como a soja, milho, cana-de-açúcar e também o algodão. Incluindo, aliás, o aumento de tecnologias agrícolas utilizadas em meio ao solo goiano.

Série Temporal da Cobertura de Pastagem (1985–2024)

Made with Flourish

Série temporal de Pastagem

Made with Flourish

Métodos utilizados para a produção da reportagem

A produção da reportagem “Pastagens em colapso? Uma análise da degradação e seus efeitos no setor agropecuário de Goiás” integrou múltiplas etapas de pesquisa, tratamento de dados e validação técnica. O conteúdo foi construído com base em informações coletadas em matérias do Jornal Opção, Agência Brasil e do Portal Embrapa, garantindo uma contextualização ampla sobre a dinâmica de desmatamento nos biomas Cerrado e Mata Atlântica.

Os dados centrais da investigação foram obtidos a partir da Coleção X do MapBiomas, acessados por prospecção e raspagem. Após a coleta, o material nacional foi filtrado no Excel para isolar os números referentes a Goiás, passando por processos de limpeza, padronização e organização por biomas. Nesse mesmo ambiente, foram elaboradas séries históricas, gráficos sobre a evolução das pastagens e análises do vigor da vegetação, que serviram de base para a interpretação de possíveis indícios de degradação. A verificação metodológica considerou as documentações técnicas do MapBiomas, reconhecendo limitações como margens de erro do sensoriamento remoto e diferenças entre coleções.

A apuração também incluiu entrevistas com especialistas em pastagens e desmatamento, elaboradas em conjunto e direcionadas a fontes presentes no artigo “Estimativas de degradação de pastagens por meio de dados de campo no estado de Goiás, Brasil”. Pesquisadores como Natalia Teles e o professor Laerte Ferreira foram contatados para aprofundar a compreensão dos dados. O trabalho reuniu ainda informações tratadas e visualizações produzidas elaboradas especificamente para a reportagem, além de dados complementares da pesquisa do IBGE sobre o Rebanho de Bovinos de 2024.

Categorias: pastagens Agro Jornalismo de Dados