A foto mostra o interior de uma farmácia ou dispensário de medicamentos. Em primeiro plano, sobre o balcão, há várias caixas de remédios empilhadas, incluindo caixas vermelhas com a marca “ÉTIRA levetiracetam” e outras caixas coloridas à direita. Também há um pequeno vasinho com duas flores amarelas artificiais.

Ao fundo, um pouco desfocada, há uma mulher usando máscara facial e camiseta amarela. Ela está manipulando uma caixa de medicamento enquanto parece conferir informações em um papel. Atrás dela há prateleiras com diversos produtos e medicamentos, e à direita vê-se parte de um computador.

O ambiente é claro e organizado, com uma divisória transparente entre o balcão e a área de atendimento.

Justiça Goiana Registra Mais de 9 Mil Consultas ao Departamento de Saúde no Ano de 2025

Mais de 3 mil destas demandas são contra o Estado de Goiás e grande parte envolve a busca por medicamentos de alto custo, conforme dados obtidos entre janeiro e novembro de 2025 

Alana Sarah, Daniela Letícia, Daniella Bruno e Leonardo José

Fotografia de um ambiente de escritório (possivelmente um cartório ou setor judicial) mostrando uma grande quantidade de pilhas de processos e documentos físicos empilhados sobre uma mesa.Primeiro Plano: Dominado por pilhas de pastas processuais de cor azul-claro (ou ciano), algumas rotuladas como "APELAÇÃO CÍVEL". Estas pastas estão empilhadas em várias colunas baixas, ocupando a maior parte do centro e da direita da mesa.Segundo Plano (Fundo): Várias pilhas muito altas de processos ou volumes de documentos, majoritariamente envoltos em capas de cor rosa forte (ou magenta). Essas pilhas se estendem horizontalmente ao longo do centro da imagem, sugerindo um alto volume de trabalho ou acervo.Contexto: Ao fundo, é possível ver um monitor de computador em uma mesa de trabalho escura, sugerindo um contraste entre a documentação física (papel) e o ambiente de trabalho moderno.
Fonte: CNJ

 

O direito à saúde é um direito previsto na Constituição Federal de 1988. Todavia, o descumprimento do acesso a medicamentos de alto custo e tratamentos de urgência/emergência ou contínuos, faz com que a Justiça seja a única forma de garantir este direito tão fundamental aos cidadãos.

Segundo o Portal do NATJUS ( https://www.tjgo.jus.br/index.php/institucional-comite-estadual-de-saude-do-estado-de-goias/natjus-goias/painel-saude-natjus-goias), informado pelo seu Coordenador, o Juiz Dr. Eduardo Pérez de Oliveira, até novembro de 2025, foram recebidas 9.321 consultas ao departamento de saúde da Justiça Goiana (Câmara de Saúde do Poder Judiciário de Goiás - NATJUS). Em resumo, este departamento atua quando o cidadão, por meio de advogado ou pelo Ministério Público, ingressa com uma ação judicial para salvaguardar seu direito à saúde. Conforme informações do Magistrado, não é possível dissociar quantidade específica de demandas de tratamento médico-hospitalar (cirurgias, UTI) e medicamentos, especialmente pela anonimização das demandas e o respeito à Lei Geral de Proteção de Dados.

Merece destaque o fato de que o Estado de Goiás lidera o número de consultas recebidas (advindas de processos judiciais, como mandados de segurança), chegando a 3.140 do montante acima mencionado, seguido pelo Ipasgo (1.039), Unimed Goiânia (743) e Município de Goiânia (379). 

Gráfico de barras horizontais que detalha o volume de consultas do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário) contra quatro entidades específicas, e apresenta o total geral de consultas.  Estado de Goiás: 3.140 consultas (maior barra individual).  Ipasgo: 1.039 consultas.  Unimed Goiânia: 743 consultas.  Município de Goiânia: 379 consultas (menor barra individual).  Total: 9.321 consultas (barra que representa o valor total geral).
Consultas do NATJUS por Entidade.  Feito pelo o Datawrapper

 

Embora significativo o número de ações judiciais em busca da tutela da saúde, muitos goianos desconhecem seus direitos e a rede de apoio que a máquina estatal dispõe.

O relato de Hugo Geraldo Mohammed Emanuel Mastrela, 22, diagnosticado com epilepsia de difícil controle no final de 2023, expõe o impacto da desinformação na porta de entrada do processo medicamentoso, um dos braços de atuação da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás. Hugo descreve que as convulsões lhe causavam dores intensas e ferimentos, como mordidas graves na língua, e que as crises retornam caso fique dois ou três dias sem medicação. Mesmo assim, afirma não ter recebido nenhuma orientação sobre o acesso gratuito aos medicamentos: “Foi minha tia, que já pegava remédios no CEMAC, que me explicou como funcionava. O médico particular não falou nada”. 

O entrevistado observa que alguns profissionais privados partem do pressuposto de que pacientes com condições financeiras para pagar consultas poderiam arcar também com os remédios — percepção distante de sua realidade. Suas consultas custam entre duzentos e cinquenta e trezentos reais; sem o fornecimento público, gastaria novecentos e setenta e seis reais por mês apenas em medicamentos.

A mãe de Hugo, Janaína Santos Mastrela Borges, descreve a trajetória como “desgastante e desesperadora”. Com renda familiar de um salário mínimo e meio, ela recorda que chegaram a gastar duzentos reais por semana antes da liberação no CEMAC. O processo de cadastro também foi difícil: formulários preenchidos à mão, erros mínimos levando à rejeição do pedido, meses de espera. O primeiro remédio prescrito ao filho custou quatrocentos e cinquenta reais para apenas uma semana — e ainda assim não funcionou, obrigando-a a doar o produto. Janaína critica ainda a ausência de notificações automáticas: “Quando falta algum documento, o sistema não avisa. A gente tem que ficar consultando o tempo todo”.

 

Mas, afinal, o que é o CEMAC?

Esta é a sigla para Centro Estadual de Medicação de Alto Custo Juarez Barbosa (CEMAC-JB), unidade que centraliza o fornecimento dos medicamentos que compõem o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF). O CEMAC atua como o ponto final da cadeia de acesso: é onde são conferidos laudos, exames, protocolos clínicos e demais documentos exigidos. Além da entrega dos medicamentos, a unidade executa funções administrativas e técnicas, como controle de estoque, atualização de cadastros, verificação periódica de critérios clínicos e auditoria das dispensações, configurando-se como um pilar estratégico do sistema público estadual de saúde. O CEMAC atua tanto de forma administrativa (quando o próprio paciente busca o medicamento e é atendido) quanto judicial (quando a Justiça intervém, após denúncia, e impõe ao Estado de Goiás o fornecimento da medicação). 

Desde 2022, as solicitações passaram a ocorrer por meio do Portal Expresso, uma plataforma digital disponibilizada pelo Governo de Goiás. Contudo, apesar de o sistema centralizar pedidos, o site oficial não disponibiliza um passo a passo completo sobre o processo. A falta de instruções claras leva muitos pacientes a recorrerem a familiares, conhecidos ou servidores da própria unidade, revelando uma fragilidade persistente de comunicação institucional.

A diretora do CEMAC-JB, Viviane Martins, aponta que o principal entrave atual está na logística de distribuição dos medicamentos. Segundo ela, o processo tornou-se mais complexo após a descentralização, que ampliou o número de municípios abastecidos por diferentes rotas. “Antes, tudo era aqui em Goiânia. Com a descentralização, precisamos de uma cadeia logística muito mais estruturada. É uma questão de desenvolver um trabalho focado na distribuição”, afirma. 

Viviane explica que o aumento do número de pacientes tem sido “muito intenso”, citando como exemplo a policlínica de Quirinópolis: “Antes recebia os componentes uma vez por mês; agora, devido ao crescimento das demandas, recebe duas vezes ao mês. Isso pressiona toda a logística”.

 

E de que forma a Justiça se conecta com o CEMAC?

A análise da gestão local ocorre em um contexto mais amplo de judicialização da saúde. Entre 2020 e 2024, Goiás registrou aumento superior a duzentos por cento nas ações judiciais movidas por pacientes em busca de medicamentos de alto custo.

Gráfico de linha tracejada que ilustra o crescimento contínuo das "Ações Judiciais" entre 2020 e 2024. O eixo Y (vertical) vai de 0 a 300. Os pontos de dados notáveis são:2020: 100 Ações Judiciais.2024: 320 Ações Judiciais. A linha demonstra um aumento linear e acentuado ao longo dos cinco anos.
Ações Judiciais.  Feito pelo o Datawrapper

 

 O ano de 2024 marcou a implementação de novas regras pelo Supremo Tribunal Federal, que reforçaram critérios para concessão de medicamentos não padronizados e transferiram à Justiça Federal a competência para tais processos. As mudanças podem ter provocado reorganização administrativa e redução temporária no ingresso de novas ações em 2025, embora o impacto total ainda esteja sendo mensurado.

Os relatos confrontados com a análise institucional revelam uma linha evolutiva comum: embora o sistema seja tecnicamente estruturado, orientado por protocolos e sustentado por investimentos crescentes, ele funciona de maneira desigual para diferentes perfis de usuários. Há eficiência para quem recebe orientação adequada desde o início, mas desinformação, burocracia e atrasos para quem depende exclusivamente da iniciativa do paciente para compreender o processo. Somado a isso, a pressão logística, destacada por Viviane Martins, complica ainda mais o fluxo estadual de medicamentos, especialmente diante da ampliação territorial e do aumento expressivo da demanda.

 

Métodos para diminuir o número de ações judiciais

Para reduzir a judicialização, o Governo de Goiás investe em padronização e automação de fluxos, embora o aumento da demanda, a complexidade dos tratamentos e a incorporação contínua de novas tecnologias criem um cenário de desafios permanentes. 

O cenário local reflete tendências nacionais. Entre 2022 e 2024, os investimentos federais em medicamentos oncológicos aumentaram sessenta por cento, passando de três bilhões para quatro bilhões e oitocentos milhões de reais. Atualmente, o CEMAC-JB atende duzentos e quarenta e seis municípios e disponibiliza cento e vinte e oito medicamentos para oitenta e sete doenças, incluindo diversos tratamentos contra o câncer. Em 2024, o estado recebeu cento e trinta unidades de um novo medicamento para câncer de mama, o que reforça o ritmo acelerado de incorporação de tecnologias.

Gráfico de rosca que mostra a distribuição de três categorias de resultados, com os seguintes valores absolutos:Municípios Atendidos: 246 (maior parte do gráfico, na cor salmão/rosa claro).Medicamentos Disponibilizados: 128 (segunda maior parte, na cor vinho/vermelho escuro).Doenças Tratadas: 87 (menor parte, na cor vermelho médio).
Municípios, Medicamentos e Doenças atendidas. Feito pelo o Datawrapper

 

Outro meio que pode evitar o aumento de demandas judiciais é a informação de qualidade ainda no primeiro contato com o paciente. Exemplo disso é o caso de Amy Lee Martins Rosa do Nascimento, 18, que aguardou dois meses para consulta com endocrinologista — prazo que considera normal no SUS —, mas recebeu prescrição imediata e instruções completas sobre como solicitar o medicamento. A médica preparou relatórios, explicou cada etapa e orientou a buscar o CEMAC-JB. Amy descreve o atendimento como “excelente”, tanto presencialmente quanto no ambiente digital, e afirma nunca ter enfrentado falta do medicamento, que retira regularmente. Ela utiliza Saxenda, cujo princípio ativo é a liraglutida. No entanto, pondera que muitos usuários têm dificuldades com o sistema online, especialmente idosos e moradores de outros municípios que dependem de representantes enviados pelas prefeituras.

O conjunto dos depoimentos evidencia que o acesso a medicamentos de alto custo em Goiás, embora amparado por políticas públicas robustas, depende diretamente da articulação entre três eixos: comunicação institucional clara, logística eficiente e integração entre diferentes níveis de atenção à saúde. Quando esses elementos falham, o sistema se fragmenta e a garantia constitucional de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde fica comprometida.

O acionamento a medicamentos de alto custo pela via judicial

Quando há recusa estatal — seja por indisponibilidade do medicamento, seja por ausência de incorporação ao Sistema Único de Saúde — pacientes podem recorrer à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou ao Judiciário. 

Nos últimos anos, a procura pela Justiça para impor ao Estado de Goiás a obrigação de fornecer tais medicamentos aumentou. 

Exemplo de medicamentos que são acionados pela via judicial é o Acalabrutinibe 100mg, com custo mensal de R$46.415,00 (quarenta e seis mil, quatrocentos e quinze reais). O medicamento é indicado para o uso em pacientes com estágio avançado de câncer no sangue (leucemia), que, em muitos casos, já esperam pelo transplante de medula óssea, conforme explicou a Ouvidora do Poder Judiciário de Goiás, Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis.

A Ouvidora do Judiciário informa que as ações judiciais visam, principalmente, remédios de alto custo, especialmente em casos de CA (pacientes com câncer), seja para combate, cuidado paliativo ou amenização das dores. Para a Ouvidora, embora as demandas sejam rotineiras, tem-se notado significativo e crescente aumento de demandas por remédios para emagrecimento, prescritos por profissionais para evitar a intervenção por meio de cirurgias bariátricas, as famosas “canetinhas”. Destaca que não se trata de ações com prescrição médica para fins estéticos, mas sim para casos graves de obesidade e tratamento de diabetes. Salienta que “embora o serviço judicial seja disponibilizado para toda a população, a falta de informações leva à desistência do tratamento por muitos pacientes, que pensam que a recusa do Estado em fornecer os medicamentos de alto custo, é a última chance de buscar auxílio ao tratamento”.

 

E como buscar auxílio em caso de recusa pelo Estado?

A Desembargadora informa que, em caso de recusa formalizada do Estado em fornecer o medicamento, seja pela falta do fármaco em estoque, ou pela sua inexistência na rede pública estadual (Ex: CD Juarez Barbosa) ou nacional (o que demanda importação de outros países), pode gerar um processo que reivindique o fornecimento do remédio.

Caso a parte que necessita do produto não possua condições financeiras e demande auxílio judicial, poderá acionar órgãos públicos como a Defensoria Pública do Estado de Goiás pelo telefone (62) 3602-1224 ou via e-mail (ouvidoria@defensoria.go.def.br e faleconosco@defensoria.go.def.br). O cidadão ainda pode acionar o CAO de Apoio ao Cidadão, do Ministério Público do Estado de Goiás, pelo telefone 3240-8000 ou se dirigir até a repartição do Ministério Público da cidade da pessoa interessada. Em caso de não atendimento por parte destes órgãos, ou preferindo orientação do Judiciário, os cidadãos podem acionar a Ouvidoria-Geral do Poder Judiciário, pelo telefone 62-32162000.

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