A imagem mostra o plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás durante uma sessão. Vários parlamentares e assessores circulam e conversam na área superior, enquanto alguns ocupam seus assentos na parte inferior. O espaço é amplo, com mesas curvas, cadeiras e painéis eletrônicos ao fundo.

Da Assembleia ao Cotidiano: A Trajetória das Emendas Parlamentares em Goiás

Como as Emendas Parlamentares indicadas pelos Deputados Estaduais goianos funcionam e o que elas fazem pela população

A imagem mostra o plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás durante uma sessão. Vários parlamentares e assessores circulam e conversam na área superior, enquanto alguns ocupam seus assentos na parte inferior. O espaço é amplo, com mesas curvas, cadeiras e painéis eletrônicos ao fundo.
Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Fonte: Hellen Reis/ALEGO.

 

Quando uma obra é concluída em um bairro, uma escola passa por uma reforma ou uma unidade de saúde recebe novos equipamentos, é possível que parte desses recursos tenha origem em uma emenda parlamentar — um instrumento que permite aos deputados estaduais, federais e senadores indicarem a destinação de uma fração do orçamento público. Mas, na prática, esse modelo de orçamento realmente beneficia a população?

Na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO), casa dos deputados estaduais, o modelo das emendas impositivas, que torna obrigatória a execução das indicações feitas pelos parlamentares, foi adotado em 2018, por meio da Emenda Constitucional n.º 57, assim como fez o Congresso Nacional em 2015. A mudança alterou a dinâmica entre Legislativo e Executivo, e levantou debates quanto à transparência, eficiência e impacto social na aplicação dos recursos. Em 2025, as emendas parlamentares estaduais somaram pouco mais de R$ 531 milhões em Goiás, correspondente a 1,2% da receita do Estado.. Os valores reservados para essa parcela do orçamento têm aumentado anualmente.

 

O gráfico apresenta a evolução dos valores empenhados e pagos das emendas estaduais em Goiás entre 2020 e 2025. As linhas mostram crescimento progressivo até 2024, com queda acentuada nos valores pagos em 2025, ano ainda com dados incompletos.

Valores empenhados (previstos no orçamento) e pagos (de fato executados) das emendas estaduais entre 2020 e 2025. Fonte: Serint.

 

Rafael Vasconcelos, responsável pela Procuradoria de Orçamento, Finanças e Controle Externo da Assembleia, explica que o mecanismo amplia a previsibilidade do orçamento e aproxima o Legislativo das demandas locais: “O deputado tem capilaridade e consegue perceber de perto as necessidades de cada região, como uma escola precisando de reforma ou um posto de saúde com carência de estrutura”.

Apesar dessa vantagem, especialistas e gestores públicos também discutem os limites do modelo, como os critérios de distribuição das verbas e a compatibilidade das emendas com o planejamento geral do Estado, que é responsabilidade do poder executivo. A questão central, portanto, permanece: até que ponto as emendas parlamentares conseguem transformar as demandas identificadas pelos deputados em melhorias efetivas para a população?

 

Da Assinatura à Entrega

Historicamente, a lei orçamentária tinha uma natureza meramente autorizativa, o que permitia ao Executivo a liberdade de executar ou não a despesa proposta pelo parlamentar, tanto no nível federal, quanto estadual. No entanto, a implementação das emendas impositivas prometeu encerrar esse mistério burocrático, transformando a autorização em obrigação. Mas como, de fato, o Estado consegue executar um volume tão alto de emendas, garantindo rigor técnico e transparência, mesmo operando com um quadro de pessoal reduzido?

O percurso das emendas estaduais inicia-se na ALEGO, com a chegada do projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA). O Procurador Rafael Vasconcelos explica que as emendas são os atos pelos quais os deputados propõem alterações ao projeto, podendo propor mudanças nas despesas apresentadas pelo Executivo. Após o projeto ser lido no plenário, ele segue para a Comissão de Finanças, onde é aberto o prazo para os parlamentares apresentarem suas propostas.

 

A imagem mostra um homem, vestido com terno e gravata, falando ao microfone durante uma sessão ou reunião oficial. Ele está sentado diante de um notebook, com bandeiras de Goiás e do Brasil ao lado, e parece participar de uma audiência ou comissão.

Rafael Vasconcelos, Procurador da ALEGO, em audiência pública para discussão da Lei Orçamentária Anual (LOA). Fonte: Serra Dourada News.

 

Vasconcelos enfatiza que essa impositividade, que impede o chefe do Executivo de simplesmente ignorar a despesa, só pode ser afastada em caso de frustração de receitas — que é quando o governo não conseguiu arrecadar tanto quanto esperava, e não tem dinheiro para executar aquilo — ou impedimento de ordem técnica. Uma vez aprovadas em plenário e sancionadas, as emendas são publicadas como parte da lei no Anexo 5, dedicado às ações de iniciativa parlamentar.

 

Transparência

Após a publicação, a gestão de todo o fluxo das emendas impositivas é centralizada na Secretaria de Estado de Relações Institucionais do Estado de Goiás (Serint). A Superintendente de Gestão de Emendas Parlamentares da secretaria, Mariana Ribeiro, destaca que o maior desafio da secretaria é gerenciar esse volume muito alto de emendas com eficiência, celeridade e, sobretudo, transparência.

O caminho para a liberação efetiva do recurso depende da análise técnica e documental feita pela Serint. O Executivo solicita aos beneficiários (como municípios ou organizações da sociedade civil) que encaminhem a documentação exigida, com destaque para a apresentação de um Plano de Trabalho — que só passou a ser obrigatório em 2025, após decisão do Supremo Tribunal Federal. A não apresentação deste plano é um impedimento de ordem técnica que desobriga o Executivo de executar a emenda, garantindo que o recurso tenha um objeto específico e rastreabilidade.

Uma vez que a análise técnica é concluída e o processo administrativo está devidamente instruído, a secretaria repassa os recursos. O ciclo se encerra com o beneficiário executando o objeto proposto e, obrigatoriamente, prestando contas à secretaria. Caso haja problemas na prestação de contas, é instaurada uma Tomada de Contas Especial para exigir a devolução dos valores. Para otimizar o processo, a secretaria criou o sistema EmendasGO, que tem o objetivo de dar eficiência ao fluxo e garante que cada autor, beneficiário e órgão de Controle (interno e externo) tenha acesso e transparência ao processo. Apesar disso, o cidadão não tem acesso ao processo completo das emendas, nem à prestação de contas delas, com a justificativa de que há dados sensíveis nesses processos, segundo a Serint.

 

A imagem exibe uma página do Sistema de Logística de Goiás (SISLOG), listando emendas parlamentares. A tabela traz informações como processo, parlamentar, área, beneficiário, tipo de benefício, local, objeto, modalidade e status das emendas, com valores em reais.
Captura de tela do sistema EmendasGO.

 

Visibilidade e Controvérsias

Apesar de serem um mecanismo para investir em recursos para a população, as emendas parlamentares nem sempre aparecem nos noticiários de forma positiva. Em 2025, a Polícia Federal (PF) abriu uma investigação para analisar 964 emendas parlamentares federais pagas sem plano de trabalho a prefeituras — quando ele ainda não era obrigatório —, das quais 45 são goianas, em valores que somam R$24 milhões. Aparecida de Goiânia aparece como o município com maior valor de emendas sem plano investigadas, R$ 6,6 milhões, e em seguida, Fazenda Nova, com R$ 3,3 milhões. 

 

Administradas pelo Legislativo, as emendas existem para direcionar recursos públicos diretamente a uma causa ou instituição. Ocorre que, antes da decisão do ministro do STF, Flávio Dino, em 2025, não havia exigência de um plano de trabalho detalhado — tampouco de justificativa para a indicação. Descrições genéricas, como “para fins de custeio” eram recorrentes. 

 

Em 2022, por exemplo, segundo o painel de emendas da Serint, o então deputado estadual Rafael Gouveia (Republicanos) destinou R$ 600 mil à prefeitura de Fazenda Nova, município de 5.878 habitantes, localizado a 206 Km de Goiânia, — o mesmo investigado pela PF por emendas federais sem plano — com a simples indicação “investimento na reforma de praça”. As informações disponíveis no Painel de Emendas do Governo de Goiás não permitem, por exemplo, identificar qual praça seria beneficiada pelo recurso.

 

A imagem mostra um grupo de pessoas aplaudindo durante a inauguração de uma obra pública. No centro, há uma placa indicando a abertura do “Parque Ecológico Primeira Dama Francisca Soares da Costa”, em Fazenda Nova. A cena ocorre à noite, em ambiente externo.

O ex-deputado estadual, Rafael Gouveia (Republicanos) à esquerda e o prefeito de Fazenda Nova, Marcus Costa (União Brasil) à direita, durante a inauguração do parque ecológico da cidade. Fonte: Instagram de Rafael Gouveia.

 

A falta de transparência também dificultava o rastreamento dos recursos. Parte das prefeituras e instituições recebem as verbas por meio da chamada transferência especial — conhecida como “Emenda Pix” — criada para acelerar o repasse ao eliminar etapas burocráticas e depositar o valor diretamente na conta do beneficiário. Até 2025, o recurso chegava sem qualquer amarra, o que tornava praticamente impossível acompanhar com precisão o destino de cada centavo. A decisão do STF, ao passar a exigir um plano de trabalho detalhado tanto dos parlamentares quanto das instituições, também ampliou a rastreabilidade e impediu que o dinheiro escapasse do planejamento orçamentário.

A avaliação de especialistas, contudo, contrasta com a visão da Serint e da Procuradoria da ALEGO. Para Bruno Morassutti, advogado e integrante do Conselho de Transparência Pública, órgão da Controladoria Geral da União (CGU), a transparência das emendas estaduais ainda é limitada e enfrenta diversos problemas estruturais. Segundo ele, embora teoricamente, o orçamento público deva ser algo acessível para a população geral, na prática, não é bem isso que acontece, pois ainda é difícil entender para onde esses recursos estão sendo enviados. “Quando o parlamentar deixa de oferecer informações básicas sobre suas emendas, ele compromete uma das suas funções essenciais, que é garantir a ciência pública do orçamento”, afirma. 

Morassutti ressalta, também, que apesar das conquistas recentes — principalmente após as decisões do STF que impuseram exigências de detalhamento para emendas —, os cenários estaduais continuam mais opacos. De acordo com ele, encontrar dados sobre emendas parlamentares estaduais ainda exige uma navegação profunda por informações fragmentadas, nomenclaturas divergentes e ausência de planos de trabalho ou relatórios de prestação de contas: “Muitas vezes, sabemos que o dinheiro público foi destinado, mas não sabemos por qual parlamentar, nem qual foi a justificativa”.

As dificuldades também se apresentam no atendimento a pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). De acordo com Morassutti, muitos estados demonstram relutância em explicar seus critérios, motivações, objetivos ou autoria das emendas, o que torna o acompanhamento público mais complicado. Ele avalia que esse problema é muito recorrente em regiões onde há menor tradição de transparência ou menor capacidade técnica das equipes públicas, mas reconhece que essa deficiência é presente em todo o país.

Mesmo com indicadores positivos — como o segundo lugar atingido por Goiás no índice de transparência e governança pública —, o especialista acredita que rankings não devem ser enxergados como garantia plena de acesso à informação: “O preço da paz é a eterna vigilância”. Para ele, o avanço só acontece quando a sociedade e órgãos de controle mantém uma pressão contínua, e para isso, é preciso haver participação popular, o que, de acordo com ele, continua em falta no processo de fiscalização. Morassutti defende que o controle popular deve começar por recursos mais acessíveis ao cidadão: “Acho que um bom início seria olhar o que está ao nosso redor, talvez nos perguntar qual entidade ou instituição mais perto da nossa própria casa foi, mais recentemente, beneficiada com uma emenda. A partir disso, verificar se há prestação de contas adequada além de um bom motivo para o recebimento desse dinheiro. Quando as informações não forem coerentes é preciso denunciar a órgãos como o Ministério Público, a Controladoria e o Tribunal de Contas”.

 

Destino Final: Quando as emendas conseguem transformar a realidade

Desde a implementação das emendas obrigatórias, o volume de recursos destinados por esse mecanismo cresce ano após ano, ocupando uma fatia cada vez maior do orçamento público. Esse avanço tem produzido resultados positivos e negativos. De um lado, municípios do interior têm, de fato, recebido mais investimentos, possibilitando a compra de ambulâncias, a reforma de prédios públicos — como escolas — e o financiamento de projetos sociais voltados à melhoria da qualidade de vida da população, entre outras iniciativas.

A Secretaria de Relações Institucionais de Goiás (Serint) mantém, inclusive, o portal Goiás em Dados, desenvolvido em parceria com a Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI). A plataforma reúne indicadores socioeconômicos que auxiliam parlamentares, prefeitos, entidades e a sociedade em geral, oferecendo evidências para embasar a formulação de políticas públicas. Essa articulação tem contribuído para direcionar investimentos a áreas que antes dificilmente eram alcançadas pelo poder público.

 

Composição de imagens mostrando duas instituições de Goiânia, Goiás. O lado esquerdo exibe o prédio circular e vermelho da UEG (Universidade Estadual de Goiás). O lado direito mostra a fachada moderna e vermelha da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, com pessoas na entrada.

À esquerda, a Universidade Estadual de Goiás, em Anápolis, e à direita, a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia. Fonte: UEG e SCMG.

 

Por outro lado, algumas instituições passaram a depender excessivamente das emendas parlamentares, após anos de pouca atenção do Executivo estadual. Embora essa injeção de recursos traga benefícios concretos para a população, também expõe a negligência histórica do governo em relação a elas. É o caso da Universidade Estadual de Goiás (UEG), tradicionalmente desassistida pelo Executivo. Entre 2020 e 2025, a instituição recebeu cerca de R$ 15 milhões em emendas para aquisição de equipamentos e financiamento de projetos de pesquisa. O deputado Antônio Gomide destinou R$ 50 mil para a reforma do telhado de uma unidade da UEG em Senador Canedo, já em situação precária, evidenciando que os recursos parlamentares também têm suprido demandas estruturais.

Outra instituição essencial para o atendimento à população é a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, hospital administrado pela Igreja Católica que recebe recursos públicos e privados. Apenas no primeiro semestre de 2025, realizou mais de 350 mil atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Neste ano, deve receber mais de R$ 1 milhão em emendas, valor destinado à compra de insumos básicos que, quando faltam, impedem a realização de exames e procedimentos. Situação semelhante ocorre em outras unidades de saúde, onde as emendas têm sido fundamentais para manter o funcionamento dos serviços e, consequentemente, atender a sociedade.

 

Composição de retratos de dois políticos ou figuras públicas do estado. O lado esquerdo apresenta um homem mais velho de terno escuro e gravata vermelha, gesticulando enquanto fala ao microfone. O lado direito mostra um homem de terno azul e gravata rosa, também falando em um ambiente institucional.
À esquerda, o deputado estadual Antônio Gomide (PT), e à direita, o deputado estadual Talles Barreto (União Brasil). Fonte: Assessoria dos deputados.

 

A visão dos parlamentares sobre esse dispositivo e suas controvérsias são divergentes. O deputado Talles Barreto (União Brasil), que hoje é Líder do Governo de Ronaldo Caiado (União Brasil) na assembleia, declarou à nossa equipe de reportagem que as emendas impositivas trouxeram avanços para se investir em saúde, educação e infraestrutura nos municípios. O parlamentar também não escondeu o interesse eleitoreiro dos deputados: “É onde também a gente dá um reconhecimento aos municípios que proporcionaram uma boa votação pra gente. Isso é normal”. Talles também negou que exista qualquer atrito entre o legislativo e o executivo quanto ao tema.

Já figuras que hoje fazem oposição ao governo estadual na ALEGO, como o deputado Antônio Gomide (PT), têm ressalvas quanto ao sistema. O petista disse em entrevista que discorda da mudança feita pelo Congresso Nacional, e replicada no contexto estadual, pois o legislativo não deveria ter a prerrogativa de alterar o orçamento em um sistema presidencialista, o que dá muito poder a parlamentares e reduz a autonomia do executivo. Apesar disso, ele também reconhece que as emendas são benéficas à população, se feitas de forma legal. “As emendas precisam cada vez mais de transparência, onde elas estão sendo aplicadas. Mas entendo que fazem muita diferença na realidade de alguns municípios e instituições. Procuramos aplicar esses recursos da melhor forma possível, como em instituições sérias como o Araújo Jorge, a Santa Casa e a UEG”, afirmou.

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