Cinzas na Capital de Goiás
Região Metropolitana de Goiânia registrou mais de 256 focos de queimadas em uma semana
Isaque Soares, João Vitor Souza, Cristiano Ro’onowa Tseremey’Wa, Dhennifer de Jesus e Felipe de Jesus Custódio
“As queimadas são frequentes, acontecem todos os anos porque moro de frente a uma região de mata, todo ano tem queimada aqui, e nesse ano de 2025 o fogo foi especialmente forte, com muita destruição tanto na frente quanto no fundo da casa.” Foi isso que Aguida Pereira, de 58 anos, morador da região central da cidade de Goiânia, relatou em entrevista à nossa equipe após ser vítima das queimadas ocorridas na capital goiana. As primeiras semanas de setembro significaram um grande prejuízo para moradores da região metropolitana de Goiânia. Dados do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), alertaram para 256 focos de queimadas na região metropolitana de Goiânia. Apenas na capital, foram 10 queimadas.
A CAIXA D’ÁGUA DO BRASIL, DESTRUIÇÃO DO CERRADO
Em termos simples, o que seria o Cerrado? De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e a savana mais rica em biodiversidade do mundo, e abriga as maiores nascentes de bacias hidrográficas brasileiras. Segundo oprofessor de Geografia do Instituto Federal de Goiás(IFG), Renato Teixeira, “O município de Goiânia está inserido no chamado Mato Grosso Goiano, que é considerado uma terra de cultura, é um Cerrado mais suntuoso, a vegetação é mais densa, o solo é mais rico, mais fértil”. O Cerrado, conhecido como a caixa d’água do Brasil, é considerado o grande guardião hídrico do país, pois abriga oito das doze bacias hidrográficas do país, incluindo as três maiores do continente sulamericano, as bacias Amazônica, a do São Francisco e a do Prata. O Cerrado possui a Estação Ecológica de Águas Emendadas, localizada no Distrito Federal, onde uma nascente se divide em duas direções opostas, formando as bacias do Tocantins, ao norte, e a do Paraná, ao Sul, o'que torna esse bioma crucial para o abastecimento de água no país.
O Cerrado é considerado a Savana com maior biodiversidade do mundo, pois é lar de 5% das espécies animais e vegetais de todo o planeta. Sua enorme biodiversidade é potencializada por sua localização central, que o coloca em contato direto com outros quatro biomas brasileiros: a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Caatinga, assim gerando ecótonos, que são áreas de transição entre dois ou mais biomas. De acordo com o Cerrado das Águas, ao todo, o bioma detém cerca de 40% de toda a biodiversidade de plantas do Brasil e mais de 320 espécies de aves.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Cerrado teve 45% de sua área consumida pelas queimadas nos últimos 40 anos. Quando perguntado sobre as possíveis consequências, caso o município não atue de forma integrada nas próximas temporadas de seca, o professor Renato comunica: “Se não houver uma integração, um planejamento da água, Goiânia não vai dar conta de ter um abastecimento adequado, vai ter muita dificuldade”, e ainda frisou a importância das matas ciliares, que são a vegetação presente nas margens dos rios. “A mata ciliar é essencial para manter os lençóis freáticos, evitar o processo de lixiviação dos rios, porque quando você tira a mata ciliar, o que acontece? Vai entulhando, vai entupindo os rios e os córregos, vai assoreando os rios, vai realmente matando os córregos e os rios”, explicou.
CAUSAS DAS QUEIMADAS
Existem dois tipos de queimadas, as causadas por fatores naturais e as causas por fatores antrópicos, decorrentes da ação do ser humano. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e seu centro especializado, o PREVFOGO (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) afirmam que a maior parte do fogo é decorrente de ação humana, principalmente por causa da abertura de novas áreas para a atividade agropecuária. Podendo começar de forma acidental, como por exemplo um pedestre jogando um cigarro em uma área de mata seca, ou pode ocorrer de maneira intencional com o intuito de limpar algum terreno, o desmatamento. De acordo com o professor Renato Teixeira, “os fatores antrópicos são mais prejudiciais à questão da qualidade do ar. Porque vivemos em um clima tropical que geralmente são seis meses de seca. É um clima frio e seco, quente e úmido. Ou seja, ficamos em torno de sete meses sem chuva. Isso também diminui a qualidade do ar”. As queimadas se iniciam de forma natural também, e de acordo com o professor Renato, “Agora, o que é uma queimada natural? É quando cai um raio. Quando cai um raio, logo em seguida, vem a chuva. Então, isso é benéfico, porque gera os brotos, gera uma renovação da vegetação.”. Então, diferentemente das queimadas causadas pelo homem, elas trazem benefícios, como a germinação de sementes e a renovação da vegetação. No Cerrado, as queimadas naturais são comuns nos períodos de estiagem, sendo de junho a setembro, durante o inverno.
CONSEQUÊNCIAS DAS QUEIMADAS
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora não só queimadas, mas também desmatamento e emissão de gases do efeito estufa por satélites declarou em 2024 que o Cerrado é, historicamente, o bioma com mais focos de incêndio. Em 2023, ele concentrou 43% de todos os focos de incêndio no país. As queimadas causam danos a todos os setores da biodiversidade. Os mais visivelmente afetados são os animais e a vegetação, e isso é um consenso entre pesquisadores de instituições como INPE e IPAM o fato que as queimadas se alastram muito rápido com uma vastidão imensa queimando plantas e árvores, espalhando CO2 pela atmosfera, retirando a cobertura vegetal de cidades as quais já têm pouca, tirando a vida de muitos animais nativos ao Cerrado e espalhando fumaça tóxica pelas cidades, o que contribui para o efeito estufa, porém, existem danos menos conhecidos.
A geógrafa da na Universidade Federal de Goiás e colaboradora do Laboratório de Climatologia Geográfica do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) Juliana Ramalho, alerta que devido à grande remoção de vegetação que ocorre durante as queimadas, o balanço de energia da natureza é desestabilizado e a temperatura aumenta, pois sem a mata, a radiação solar gera calor diretamente, o que influencia nas condições climáticas da região. Não só isso, as cidades se tornam mais quentes. O biólogo e professor João Xavier adverte para o fenômeno natural de inversão térmica se trata da inversão da camada de ar frio com a camada de ar quente, uma camada de ar frio impede a fumaça das queimadas de subir e se dispersar, fazendo com que ela fique acumulada na altura das pessoas. Isso é agravado pela umidade baixa, resultando em um ar muito carregado de partículas de sujeira e ar quente.
Mas as consequências não ficam restritas ao meio ambiente. O MapBiomas Água é uma iniciativa do projeto MapBiomas que estuda a dinâmica das águas superficiais no Brasil e atesta que a água da chuva, que era bloqueada e absorvida por plantas e árvores, agora vai diretamente para o solo, o que para cidades significa mais enchentes, afinal o solo concretado não consegue absorver grandes quantidades de água.
A especialista Juliana Ramalho, informa: “O CO2 presente nos incêndios pode causar distúrbios respiratórios graves, os mais vulneráveis são crianças até os 5 anos e idosos. Nos idosos há um grande risco do desenvolvimento ou agravamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), uma doença respiratória progressiva que dificulta a passagem do ar para os pulmões, e as crianças se tornam um grupo indefeso pois seus órgãos e sistema imunológico ainda estão em desenvolvimento”. Já o biólogo João Xavier destaca que os trabalhadores também podem se encontrar em risco ”O calor, por si só, já causa fadiga, deixando as pessoas mais cansadas e reduzindo a produtividade no trabalho. Muitos trabalhadores não têm acesso a um ar-condicionado, dormindo apenas com um ventilador, o que resulta em noites mal dormidas. Consequentemente, acordam mais cansados e seu rendimento cai consideravelmente. Além disso, a fumaça afeta diretamente o sistema respiratório, provocando doenças como bronquite, asma e pneumonia”.
O QUE ESTÁ SENDO FEITO PARA RESOLVER O PROBLEMA
Existem muitas iniciativas que buscam maneiras de parar as queimadas e contornar os problemas causados por elas. Também existem iniciativas que cuidam do meio-ambiente como um todo, o que contribui para amenizar o problema em Goiânia e região. O Tenente-Coronel Altieri Araújo de Oliveira, do terceiro batalhão do Corpo de Bombeiros Militar de Anápolis, é encarregado de comandar a Operação Cerrado Vivo em 2025, focada no planejamento, prevenção e controle dos focos de queimada em Goiás, especialmente na região metropolitana de Goiânia.
A iniciativa surgiu em 2011, por decisão do Governo de Goiás, diante do aumento expressivo dos incêndios florestais no estado. Desde então, o Corpo de Bombeiros coordena as ações de prevenção e combate, em parceria com órgãos ambientais, prefeituras e brigadas voluntárias. “A prevenção tem três pilares: educação ambiental, fiscalização integrada e monitoramento técnico. Além disso, usamos uma estratégia chamada golpe único — que é empregar o máximo de recursos no menor tempo possível, para eliminar o fogo ainda no início. Essa tática evita que pequenos focos se tornem grandes incêndios e tem mostrado excelentes resultados em todo o estado”, explica o tenente-coronel.
Outras iniciativas do governo, ONG’s e institutos de pesquisa ambiental:
Órgãos Públicos
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMAM) - Prefeitura de Goiânia;
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).
ONG's
MUTU - Movimento Urbano de Transformação Ecológica;
AMAme - Amigos do Meio Ambiente;
Instituto Cerrado Sustentável (ICS).
Institutos de Ensino e Pesquisa
Universidade Federal de Goiás (UFG);
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
Fonte: OJÚ - Observatório Jornalístico Universitário
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